quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

[...] minha própria existência, que ainda não consegui justificar. Mais do que isso: ainda não a pude constatar. E mesmo que algum dia eu a possa sentir e positivar, é fora de dúvida que nunca a poderei demonstrar. O que, de resto, pouco adiantaria. Por enquanto, ora a coloco num estado germinal, ideia preparatória de algum plano que virá a ser, situação provisória de um fantasma interino -- ora a coloco melancolicamente, na foz de um rio que dentro de alguns metros já não existirá, desmanchado no abismo do mar. Muitos acharão isso estranho e pensarão que ando entregue a fantasias especiosas. Mas creio que ninguém pensa de maneira contrária, pois a verdade é que nunca pensaram sobre isso, o que afinal é uma leviandade sem perdão. Não encontro ninguém para falar de tais negócios, e sou obrigado a recorrer a velhos livros, e encontro todos, poetas e profetas, perplexos da mesma angústia.

Gerardo Mello Mourão, O valete de espadas

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