Que mais direi? Primeiro nós nos juntamos numa casa e depois no espírito. Assim, como desculpa do ensino, nós nos entregávamos inteiramente ao amor, e o estudo da lição nos proporcionava as secretas intimidades que o amor desejava. Enquanto os livros ficavam abertos, introduziam-se mais palavras de amor do que a respeito da lição, e havia mais beijos do que sentenças; minhas mãos transportavam-se mais vezes aos seios dos que para os livros e mais frequentemente o amor se refletia nos olhos do que a lição os dirigia para o texto. E para que não despertássemos suspeitas, o amor de vez em quando vibrava alguns golpes, não a cólera, não o ódio, mas o encantamento; golpes que ultrapassavam a suavidade de todos os bálsamos. Em suma, o que direi? Nenhum grau do amor foi omitido por nós dois apaixonados, e tudo o que o amor pôde imaginar de insólito foi acrescentado e, quanto menos tínhamos experiência dessas alegrias, tanto mais ardentemente nelas nos demorávamos e tanto menos nos cansávamos disso.
Pedro Abelardo, A história das minhas calamidades
(trad. Ruy Afonso da Costa Nunes)
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