terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Mais longe - tudo isso fazia já lembrar um grande pesadelo - deitando uma olhadela ao quadro que indica quantas obras de arte se produzem por minuto e a partir de que material, fui tocado pela insignificância total destes objectos. Se, num futuro afastado, arqueólogos fizessem pesquisas para descobrir formas de estética características de nossa época - digamos no domínio da artes plásticas -, não saberiam nada, porque não estariam à altura de distinguir as gorduras e detritos vulgares das nossas "obras de arte"; entre os dois, muitas vezes não há nenhuma diferença objectiva. Para que uma lata de sopa Campbell seja uma obra de arte, só precisa de ser exposta num museu; mas se ela acaba um dia numa fábrica de transformação de esgotos, ninguém poderá contemplá-la com o contentamento estético do arqueólogo perante o vaso grego ou a deusa em mármore arrancados à terra.

Stanislaw Lem, Um minuto da humanidade
(Trad. Teresa Brito)
Viver é fazer algo a despeito da evidente futilidade de tudo. Viver é portanto tentar negar a futilidade evidente de tudo. E por que é evidente essa futilidade? Pela morte. Viver é tentar negar a morte. Viver é fazer de conta que não há morte. Mas há. Não é isto espantoso?

Vilém Flusser, Da religiosidade

sábado, 24 de dezembro de 2011


[Para o gnóstico do século I,] O mundo é o produto trágico de um evento funesto no seio da própria divindade; a humanidade, em sua essência parte da divindade transcendente e não do mundo, é apanhada no meio desse evento funesto, um estranho num mundo onde não tem absolutamente nada a fazer. O problema do ser humano é que o mundo existe. A salvação está no retorno do mundo ao nada para que os seres humanos possam ficar livres para voltar à sua origem divina.

Helmut Koester, Introdução ao Novo Testamento
(Trad. Euclides Luiz Calloni)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Salomão esperava-me, reclinado no largo leito. Foi infinitamente gentil comigo; fez com que eu me deitasse a seu lado, acariciou-me, perguntou-me o que esperava dele. Na verdade, eu queria que me deixasse dormir, mas jamais formularia um pedido tão extravagante.

Moacyr Scliar, A mulher que escreveu a Bíblia

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Ciro era filho de Cambises, rei da Pérsia. Este Cambises era da geração dos Perseidas, que se gloriam de descender de Perseu. A mãe de Ciro chamava-se Mandane, era filha de Astíages, rei da Média. Ciro, cujo nome ainda hoje é celebrado pelos bárbaros, era de estatura elegantíssima, de um coração cheio de benevolência, e muito amante da sabedoria e da honra. Para ganhar aplausos, sofria os maiores trabalhos, e arrostava-se com os mais evidentes perigos. Tais foram suas qualidades morais e físicas, que a história nos transmitiu.

Xenofonte, Ciropedia
(Trad. João Félix Pereira)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Então [Calogrenante] deitou-se em cruz. E Leonel, que estava com grande fúria feroz, feriu-o - dizendo ele esta palavra - tão rijamente que o matou. Nisto aconteceu um milagre muito formoso como a estória verdadeiramente o revela, e não deixaremos de contar. O milagre foi este. Quando Leonel o feriu na cabeça, no lugar do sangue que tinha de sair pela ferida que era muito grande, saiu leite tão branco como a neve, e saía tanto como a metade de um barril, e foi verdade que lhe saiu do corpo. E daquele sangue que era tão branco, do qual a terra não pôde ser bem limpa, aconteceu que saíram flores, antes que passasse um meio ano depois de sua morte e ainda, naquela época, há cada ano flores que daquelas saíram e todo verão as poderá alguém achar, e têm nome aquelas flores calogres, e servem ainda agora para quem perde o sangue, que o estancam, mas animal que as come logo morre. Assim como vos conto, morreu Calogrenante, e aconteceu tão formoso milagre, como vos relato.


A Demanda do Santo Graal
(Trad. Heitor Megale)
Não há homem que triunfe em todas as suas empresas. Nesse sentido, somos todos fracassados. O essencial é não fracassarmos em determinar e sustentar o esforço de nossas vidas. Nesse particular, é a vaidade que nos faz perder o rumo. Ela nos precipita em situações das quais forçosamente saímos feridos, ao passo que o orgulho é nossa salvaguarda - tanto pela reserva que impõe à escolha de nosso empreendimento quanto pela virtude de seu poder de sustentação.

Joseph Conrad, Os Duelistas
(Trad. André de Godoy Vieira)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011


A gravura que ilustra o fundo deste blogue é obra do inigualável Gustave Doré. Aqui, Ruggiero e o hipogrifo!
Sendo eu totalmente cético em relação à existência de vampiros, a teoria sobrenatural apresentada pelo médico, a meu ver, era apenas mais um exemplo de inteligência mesclada, estranhamente, com alucinação. Todavia, eu estava tão desesperado que, em vez de nada tentar, levei a sério as instruções contidas na carta.

Sheridan Le Fanu, Carmilla, a vampira de Karnstein
(Trad. José Roberto O'Shea)
"What else did you find in the treasure chests?", she asked dully.

"Rubbish. Gold, jewels, crowns, swords. Nothing to which any man alive has any claim..."

Ursula K. Le Guin, The tombs of Atuan
Os que estão possuídos pelo amor aos livros valorizam muito pouco as coisas deste mundo e o dinheiro.

Richard de Bury, Philobiblon
(Trad. Marcello Rollemberg)

domingo, 18 de dezembro de 2011

O Caminho gera o um
O um gera o dois
O dois gera o três
O três gera os dez mil seres.

Lao Tse, Tao te ching
(Trad. Wu Jyh Cherng)