quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Destrói as antigas habitações de homens e as antigas habitações de almas; as coisas mortas são espelhos que deformam.
Destrói, pois toda criação vem da destruição.
E pela bondade superior, é preciso exterminar a bondade inferior. E assim o novo bem surge saturado de mal.
E para imaginar uma nova arte, é preciso quebrar a arte antiga. E assim a nova arte parece uma espécie de iconoclastia.

Marcel Schwob, O livro de Monelle
(trad. Claudia Borges Faveri)

terça-feira, 12 de junho de 2012


Um clássico é sempre um divisor de águas em nossa história. Um acontecimento impressionante. Um incêndio, um terremoto.

Deve perturbar e arrebatar. Toda a sua leitura repercute em vários órgãos de nosso corpo. Sim, porque alguns livros recordam que somos pensamento. Outros, recrutam o sentimento. Outros, ainda, perturbam o sono. Um clássico deve tocar o cérebro e o coração, os ossos e as vísceras, tirar o sono, triturar nossas certezas, esmagar nossos erros.

Ou tudo, ou nada.


Marco Lucchesi, O princípio Dostoiévski (in Teatro Alquímico)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Em primeiro lugar, não é verdade que a infância, a primeira idade do homem, é a mais alegre e a mais encantadora de todas as idades? As pessoas amam as crianças, beijam-nas, abraçam-nas, cuidam delas; mesmo um inimigo não pode impedir de socorrê-las. Como se explica isso? É que, desde o instante do nascimento delas, a natureza, essa mãe previdente, espalhou a seu redor uma atmosfera de loucura que encanta os que as educam, alivia-os de suas penas e atrai para essas pequenas criaturas a benevolência e a proteção que eles próprios necessitam. 

Erasmo de Rotterdam, Elogio da Loucura
(trad. Paulo Neves)

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Mas fazer 30 anos é como sair do espaço e penetrar no tempo. E penetrar no tempo é mister de grande responsabilidade. É descobrir outra dimensão além dos dedos da mão. É como se algo mais denso se tivesse criado sob a couraça da casca. Algo, no entanto, mais tênue que uma membrana. Algo como um centro, às vezes móvel, é verdade, mas um centro de dor colorido. Algo mais que uma nebulosa, algo assim pulsante que se entreabrisse em sementes.

Affonso Romano de Sant’anna, Fazer 30 anos

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O macho tem normalmente o papel de destaque apenas por causa das condições de vida. Ele está lá fora, no mundo, e a mulher está em casa. Mas entre os astecas, por exemplo, que dispunham de vários céus, para onde as pessoas iam de acordo com a morte que tivessem, o céu dos guerreiros mortos em batalha é o mesmo das mães que morrem em trabalho de parto. Dar à luz é incontestavelmente uma proeza heroica, pois é abrir mão da própria vida em benefício da vida alheia.

Joseph Campbell, O poder do mito
(Trad. Carlos Felipe Moisés)

domingo, 1 de janeiro de 2012

De João [Batista], Mateus tira uma fotografia impressionante. É um eremita meio selvagem, vivendo no deserto, no depoimento de Mateus, "com vestimenta de pele de camelo, com uma cinta de couro, seu alimento era gafanhotos e mel silvestre".

Quase dá pra ver o tipo, um daqueles furiosos loucos de Deus, a boca cheia de pragas e maldições contra todos que pareceram trair a original pureza de uma fé. Reacionários, saudosos de um passado? Revolucionários, querendo novas coisas e novos códigos? Cada um escolha o adjetivo que combine melhor com a tanga de pele de camelo do profeta João.

Paulo Leminski, Jesus a.C.